A queda de 8% do bitcoin nas últimas 24 horas — com a cotação agora em torno de US$ 84 mil — expôs estratégias opostas entre as maiores empresas do mundo que mantêm a criptomoeda no caixa. A americana Strategy (antiga MicroStrategy) aproveitou o preço menor para adquirir mais 130 BTC entre 17 e 30 de novembro, elevando seus estoques para 650 mil moedas, hoje avaliadas em cerca de US$ 54 bilhões. No mesmo dia, a brasileira OranjeBTC anunciou que voltou a suspender compras de bitcoin e recomprou 78,5 mil próprias ações, repetindo o movimento de fim de outubro. Para investidores que acompanham essas companhias como termômetro de confiança institucional no ativo, o sinal é duplo: enquanto uma lado acredita que o preço atual é atrativo para acumulação, a outra prefere preservar capital e reduzir a quantidade de papéis em circulação, gesto que costuma ser lido como defensivo.
Veja também
* Você permanecerá em nosso site.
O contraste reflete não apenas visões sobre o preço do bitcoin, mas também diferentes estruturas de financiamento e tolerância a volatilidade. A Strategy emitiu ações preferenciais lastreadas em parte pela própria cripto e precisa garantir fluxo para dividendos; por isso criou uma reserva de US$ 1,44 bilhão em moeda americana, afastando — pelo menos temporariamente — o risco de ser forçada a vender BTC no mercado spot caso os credores exigissem liquidez. A companhia liderada por Michael Saylor continua defendendo publicamente o modelo “long-only” em bitcoin, mas passou a adotar colchões em dólar para suavizar eventuais chamadas de margem. Do ponto de vista regulatório, ambas as empresas não são exchanges e não oferecem tokens de terceiros: elas simplesmente alocam parte do próprio caixa na principal criptomoeda, prática que, no Brasil, ainda não possui regra específica da CVM para companhias abertas, exigindo que a OranjeBTC justifique aos acionistas a política de investimento e de disclosure sob o regime do Novo Mercado.
Para o ecossistema de criptoativos, o comportamento dessas “bitcoin treasury companies” importa porque seus balanços são transparentes e negociados em bolsas tradicionais, funcionando como ETF sintético de bitcoin para investidores que não querem lidar com carteiras blockchain ou stablecoins. Quando a Strategy compra, o efeito psicológico costuma ser bullish, já que o mercado interpreta que um player institucional relevante está sinalizando piso de preço; quando para, ou gera dúvidas sobre solvência, o impacto é o inverso. A volatilidade, porém, não é simétrica: as ações da Strategy acumulam queda de 47% em 2024, mais do dobro da desvalorização do próprio BTC, mostrando que o multiplicador de perdas pode ser elevado quando o capital próprio está alavancado por dívidas com vencimento próximo. Já as ações da OranjeBTC, que não usam leverage tão agressivo, oscilam menos que o bitcoin, mas refletem o risco soberano e o menor volume de liquidity do mercado brasileiro.
O episódio reforça que, em mercados de alta volatilidade, a estratégia de tesouraria em cripto não é apenas uma questão de convicção em relação ao ativo, mas de gestão de caixa e maturidade de obrigações. Empresas que combinam bitcoin com reservas em moeda fiduciária conseguem ganhar tempo em ciclos de baixa, enquanto aquelas totalmente expostas precisam confiar na capacidade de rolar dívidas ou vender ações próprias para evitar serem forçadas a realizar prejuízos. Para o investidor pessoa física, o movimento das duas companhias serve como lembrete de que investir diretamente em criptomoedas oferece acesso ao mesmo risco de preço, mas sem os mecanismos de governança corporativa que podem — ou não — proteger o capital em momentos de estresse.